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CSRF decide que art. 7º dos tratados impede que Brasil tribute lucros de controladas no exterior.

Atualizado: 2 de jun. de 2022


Foi publicado em 1º de junho o acórdão nº 9101-006.097, da 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF (CSRF), envolvendo a tributação, no Brasil, de lucros auferidos por controlada localizada na Espanha e Luxemburgo, jurisdições com as quais o Brasil mantem acordos para evitar a dupla tributação da renda. A decisão, favorável ao contribuinte, se deu por determinação do art. 19-E da Lei nº 10.522/2002, acrescido pelo art. 28 da Lei nº 13.988/2020, em face do empate no julgamento, considerando a supressão do voto de qualidade.


Não obstante o resultado, em razão da importância do tema, transcrevemos abaixo trechos do voto favorável da Conselheira Livia De Carli Germano, Relatora, cujo mérito abordou a relação entre o artigo 7º das Convenções firmadas pelo Brasil para evitar a dupla tributação e o artigo 74 da Medida Provisória 2.158-35/2001, no caso de lucros auferidos por sociedades controladas no exterior.


Segundo a relatora, no caso, o auto de infração exige IRPJ e CSLL ano-calendário 2010, referentes aos lucros auferidos por sociedades controladas inicialmente sediadas em Luxemburgo e que tiveram sede transferida para a Espanha em outubro de 2010.


Sobre a matéria, a Conselheira pontua que, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2.588, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela:


a) inaplicabilidade do artigo 74 da MP nº 2.158-35/2001, com efeito vinculante e eficácia erga omnes, em relação às coligadas localizadas fora de países com tributação favorecida (fora de "paraísos fiscais").


b) aplicabilidade do artigo 74 da MP nº 2.158-35/2001, com efeito vinculante e eficácia erga omnes, em relação às controladas localizadas em países com tributação favorecida ou desprovidos de controles societários/contábeis/fiscais adequados ("paraísos fiscais", nos termos da lei).


c) inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 74 da MP nº 2.158-35/2001, que previa a retroatividade da aplicação da norma.


Em relação às coligadas situadas em "paraísos fiscais", bem como às controladas situadas fora de "paraísos fiscais", ela ressalta que não foi alcançado o quórum necessário para declaração da inconstitucionalidade do dispositivo, de modo que, nessa parte, foi negado provimento à ADI, porém sem efeito vinculante ou eficácia erga omnes.


Destaca ainda que, no caso dos autos, estão em análise lucros de controladas sediadas em Luxemburgo e na Espanha, portanto fora de paraíso fiscal. Nestas hipóteses não há decisão com efeito vinculante e eficácia erga omnes a respeito da aplicabilidade do artigo 74 da MP nº 2.158- 35/2001, transcrevendo o texto da norma (grifos do original):


Art. 74. Para fim de determinação da base de cálculo do imposto de renda e da CSLL, nos termos do art. 25 da Lei no 9.249, de 26 de dezembro de 1995, e do art. 21 desta Medida Provisória, os lucros auferidos por controlada ou coligada no exterior serão considerados disponibilizados para a controladora ou coligada no Brasil na data do balanço no qual tiverem sido apurados, na forma do regulamento. (Revogado pela Lei nº 12.973, de 2014).


Parágrafo único. Os lucros apurados por controlada ou coligada no exterior até 31 de dezembro de 2001 serão considerados disponibilizados em 31 de dezembro de 2002, salvo se ocorrida, antes desta data, qualquer das hipóteses de disponibilização previstas na legislação em vigor. (Vide ADI n} 2588, 2001) (Revogado pela Lei nº 12.973, de 2014)


A Relatora ainda lembra que, quando da publicação da MP 2.158-35/2001, houve muita discussão sobre se o dispositivo trouxe uma ficção jurídica de disponibilização dos lucros ou uma presunção de que tais lucros estariam disponíveis para as controladoras1 . E isso foi assim porque a norma textualmente tratou do lucro apurado pela empresa estrangeira -- e não do efeito de sua apuração no Brasil, que é o registro de tais lucros pela controladora brasileira por força da aplicação do método de equivalência patrimonial, como alguns pretendem lê-la. (grifos do original)


Pondera também que após a decisão do STF na ADI 2.588, referido artigo 74 foi revogado, passando a legislação a estabelecer a tributação da "parcela do ajuste do valor do investimento em controlada, direta ou indireta, domiciliada no exterior equivalente aos lucros por ela auferidos" (artigo 77 da Lei 12.973/2014). Ou seja, somente aí é que a lei passou a prever a tributação da controladora brasileira, e não mais dos lucros da controlada estrangeira.


E começa a concluir afirmando que, dessa forma, não pode concordar com a afirmação de que o artigo 74 da MP 2.158-35/2001 não trataria de lucros do exterior, mas sim estabeleceria a tributação da renda dos sócios brasileiros decorrente de sua participação em empresas domiciliadas no exterior. Com a devida vênia, esse raciocínio vale, no máximo, para a posterior legislação que revogou tal dispositivo, ou seja, na vigência da Lei 12.973/2014.


Segundo ela, o artigo 74 da MP 2.158-35/2001 - vigente à época dos fatos objetos da autuação em questão - foi literal ao dispor que "os lucros auferidos por controlada ou coligada no exterior serão considerados disponibilizados para a controladora ou coligada no Brasil", ou seja, a norma claramente pretendeu alcançar os lucros da empresa estrangeira, e não seu reflexo na controladora brasileira, que é o resultado de equivalência patrimonial.


Ressaltou ainda que, antes da Lei 12.973/2014, a Receita Federal já havia pretendido "interpretar" o alcance do artigo 74 da MP 2.158-35/2001 como sendo referente aos resultados de equivalência patrimonial, com a edição de da IN 213/2002 (art. 7o, §1o). Não por acaso, o Judiciário entendeu que tal interpretação seria uma ampliação, sem amparo legal, da base de cálculo do IRPJ e da CSLL (STJ, EDcl no REsp 1.325.709/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 26/08/2014; AgRg no AREsp 531.112/BA, Primeira Turma, Relator Min. Benedito Gonçalves, julgado em 18/08/20152 , dentre outros).


Nesse contexto, entendeu a Relatora não haver dúvida de que a materialidade abrangida pela lei brasileira de tributação universal, antes da Lei 12.973/2014, consistia nos lucros das coligadas e controladas no exterior. Sendo assim, a tributação não é possível quando existe acordo para evitar a dupla tributação firmado entre o Brasil e o país de residência da controlada ou coligada, tendo em vista o disposto no artigo 7º de tais acordos.


Prossegue com o raciocínio acrescentando que o artigo 7º das Convenções para Evitar a Dupla Tributação firmadas pelo Brasil protege do imposto brasileiro as empresas sediadas no exterior, sendo relevante notar, segundo Luis Eduardo Schoueri, que seu escopo não é subjetivo (as empresas), mas objetivo (os lucros das empresas). (destaque do original)


Constata que, neste sentido, citando Marcos Livio Gomes e Renata S. Cunha Pinheiro, “é falso o dilema que examina quem assume o ônus do imposto, posto que a limitação do art. 7º alcança os lucros de uma empresa de um Estado Contratante, pouco interessando, in casu, indagar quem suporta o encargo, seja a empresa estrangeira, seja a nacional, importando que nem uma nem outra estão sujeitas ao imposto brasileiro calculado sobre o lucro da empresa localizada no exterior". (destaques do original).


Assinala também que a incompatibilidade do artigo 74 da MP 2.158-35/2001 em virtude da existência de acordos de bitributação já foi reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, ao julgar o Recurso Especial 1.325.709/RJ, entendeu pela aplicação do artigo 7º das Convenções celebradas com a Bélgica, Dinamarca e Luxemburgo, afastando assim a aplicação do artigo 74 da MP 2.158-35/2001.


Alerta que, contra tal decisão, a União interpôs recurso especial -- RE 870.214 -- o qual foi teve o seguimento negado pelo STF em 24 de março de 2021, exatamente porque “O acórdão [do STJ] revela interpretação de normas legais, não ensejando campo ao acesso ao Supremo. A pretexto de ter ocorrido violência à Carta da República, pretende-se submeter à apreciação do Tribunal questão não enquadrada no inciso III do artigo 102 da Constituição Federal.” (destaque do original).


Argumenta que o julgado do STJ acima referido menciona, inclusive, que ao adotar interpretação diferente e frustrar a aplicação do tratado, o Brasil acaba por ferir pactos internacionais e, inclusive, infringir o princípio da boa-fé nas relações exteriores.


Assegura ainda que, de fato, a Convenção de Viena -- promulgada pelo Brasil nos termos do Decreto 7.030/2009 -- dispõe que, em reverência ao princípio da boa-fé, uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado (art. 27)6 .


E conclui que isso é justamente o que o Brasil acaba por fazer ao pretender tributar lucros do exterior independentemente de sua efetiva distribuição, qualquer que seja a denominação que a legislação adote.


Ainda segundo a Relatora, por isso, citando Roberto Duque Estrada, há inclusive quem afirme que “Se o Brasil pretende ter um papel destacado na OCDE, como membro ou mesmo na condição atual de key associate, é transcendental que amadureça, que cumpra seus compromissos e que respeite os tratados que assinou. Não custa sempre lembrar o velho e sempre atual brocardo pacta sunt servanda.”


Conclui, assim, que os lucros auferidos pelas controladas da autuada no exterior não podem ser tributados no Brasil com fundamento no artigo 74 da MP 2.158-35/2001, tendo em vista os acordos de bitributação firmados entre Brasil e, respectivamente, Luxemburgo e Espanha.


Ainda observa, por fim, que o racional acima se aplica também à CSLL, tendo em vista que o artigo 11 da Lei 12.202/2015 dispõe expressamente que os tratados celebrados pelo Brasil para evitar a dupla tributação alcançam essa contribuição.


Dessa forma, orientou seu voto para dar provimento ao recurso especial da contribuinte, cancelando as autuações relacionadas aos lucros auferidos pelas controladas no exterior.


Nota: O presente artigo possui caráter informativo e genérico, não constituindo opinião jurídica para qualquer operação ou negócio específico. Para qualquer informação adicional, entre em contato através do e-mail reginaldo@rastaxlaw.adv.br


Permitida a reprodução total ou parcial desde que citada a fonte.


Crédito da imagem do artigo: Mídia do Wix.


Reginaldo Angelo dos Santos é Mestrando Acadêmico pela Escola Paulista de Direito - EPD/SP, pós-graduado em Direito Empresarial pela FGV DIREITO SP e em Direito Tributário pela PUC-SP, com extensão universitária em Direito Tributário pelo IBDT-USP. Ocupou cargos de liderança por mais de 20 anos nas áreas Jurídica e Tributária em empresas nacionais e multinacionais de grande porte. Atualmente é advogado tributarista, assessor tributário, professor de MBA e Membro do Grupo de Pesquisa: Métodos Adequados de Solução de Conflitos em Matéria Tributária da FGV DIREITO SP.


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