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A indevida apropriação do instituto da transação tributária pela União Federal


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Novamente a PGFN enaltece o bom resultado na arrecadação tributária decorrente dos programas de transação de tributos federais (em: PGFN registra recorde em recuperação de créditos no 1º semestre - Publicado em 15/08/2025 10h50 Atualizado em 15/08/2025 16h29).


Segundo o órgão, foi atingido recorde histórico de arrecadação no primeiro semestre de 2025, totalizando R$ 29 bilhões, valor que supera em R$ 2 bilhões o registrado no mesmo período de 2024. Deste total, R$ 14,5 bilhões foram recuperados por meio de transações tributárias, representando R$ 300 milhões a mais que no primeiro semestre de 2024.


É fora de dúvida que o resultado alcançado em termos de arrecadação é digno de nota. Apesar disso, cabe uma ressalva: a utilização cada vez mais frequente de um importante instrumento de consensualismo no Direito Tributário com propósito primordialmente arrecadatório. É esta prática que merece ser destacada e combatida, em nome desse ramo do Direito.


Segundo informações da própria PGFN, "a transação tributária é apenas uma das estratégias para recuperação de créditos", ao lado de outras "medidas adotadas pelo órgão para os resultados atuais", tais como "a qualificação da cobrança administrativa e a customização das formas de cobrança e "o investimento em tecnologia no sistema de protestos com cartórios".

É como se o instituto da transação, após mais de 50 anos adormecido e enfim, regulamentado, tenha sido incorporado pela União Federal como mais uma ferramenta para satisfazer o interesse público secundário de arrecadação, afastando-o dos fins a que se destina como instrumento de pacificação social e extinção de conflitos tributários.

Os Editais n. 52/2025, 53/2025 e 54/2025, lançados em 15 de agosto último, ao não contemplarem a possibilidade de utilização de precatórios nessas transações, mesmo havendo autorização em Lei nesse sentido (art. 11, V, da Lei n. 13.988/2020, incluído pelo art. 10 da Lei n. 13.475/2022) reforçam o caráter arrecadatório das medidas. Por maior esforço que se faça, é difícil buscar outra razão para o fato de eles não trazerem a possibilidade de compensação de débitos com créditos líquidos e certos em face do mesmo ente tributante.


A cada anúncio de recordes de recuperação de valores por meio desses editais e outras modalidades de transação tributária federal que vêm lançando mão a União, fica mais evidente o objetivo arrecadatório para o qual este instituto do Direito Tributário vem sendo utilizado, cujo foco deveria ser o de colocar fim ao litígio e extinguir a relação jurídico tributária entre fisco e contribuinte, e não a arrecadação.


Em artigo publicado na Revista Eletrônica Conjur em Nov/2024, denominado Transação tributária por adesão é, de fato, transação?, chamei a atenção para, a despeito do inegável sucesso dos programas de transação tributária instituídos pela União, ser importante não nos afastarmos do conceito estabelecido pelo Código Tributário Nacional.


A transação tributária não pode ter como objetivo maior arrecadar, mas sim encerrar o conflito através da negociação lastreada em concessões mútuas, nos termos do artigo 171 do CTN. Ao priorizar a arrecadação por meio da liquidação de débitos oferecendo benefícios, há o risco da União assemelhar os programas de transação aos antigos Refis, aprimorados pela imposição de requisitos e condições a serem preenchidos e cumpridos por aqueles que desejam aderir.


Embora a arrecadação seja fator determinante para qualquer Estado na persecução de seus objetivos, ela não deve sobrepor-se ao caráter social da função estatal. Exigir numa negociação a contraprestação em dinheiro de devedor que também se apresenta como credor fere a igualdade que deve pautar as relações democráticas. Em se tratando da Administração Pública, onde se acrescenta que o procedimento deve estar previsto em Lei, o que ocorre no caso em análise, a não observância se torna também ilegal.


A função social que pode ser alcançada pelo Direito Tributário requer que a transação seja amplamente utilizada no aspecto que melhor a define, como acordo celebrado mediante concessões mútuas, pautado em Lei, e que objetive primordialmente eliminar o conflito e extinguir as relações jurídicas entre fisco e contribuinte. A inteligência do CTN impõe que a transação não deve privilegiar a arrecadação, que pode até ocorrer, mas como efeito secundário da negociação efetuada.


Tenho sido voz dissonante nos grupos de pesquisa temáticos dos quais participo, afirmando que as transações largamente utilizadas pela União podem ser qualquer coisa, menos aquela prevista no art. 171 do CTN. Gostaria muito de mudar de opinião ao ver pelo menos uma medida apontando em sentido oposto.

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O presente artigo possui caráter informativo e genérico, não constituindo opinião jurídica para qualquer operação ou negócio específico.


Permitida a reprodução total ou parcial desde que citada a fonte.


Reginaldo Angelo dos Santos é Mestre em Direito pela EPD/SP. Especialista em Direito Empresarial pela FGV DIREITO/SP. Especialista em Direito Tributário pela PUC/SP. Graduado em Direito pela FMU SP. Membro da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB/SP e do Centro Nacional para Prevenção e Resolução de Conflitos Tributários - CENAPRET. Advogado Tributarista, Contador e Professor de MBA em Gestão Tributária em São Paulo.



 
 
 

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